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Artigo

Prenda-me se for capaz

por Denise Assis, no Brasil 247

Não é só Jair Bolsonaro que caminha sobre o fio de uma navalha nesse domingo, 25. A data, em que o ex-presidente acusado e investigado por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do estado de direito, convoca um ato para a Avenida Paulista, onde ele espera, compareçam milhares de seguidores, é também um grande desafio para os nervos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Voltando o olhar atento aos preparativos, observa-se, por exemplo, os insistentes pedidos para que os que comparecerem ao ato, não levem cartazes ou faixas contra instituições ou figuras públicas. Em se tratando de bolsominions, o recado quer dizer: “levem”. E se assim o fizerem, pode-se supor o que estará escrito neles. Palavras de ordem contra o STF e pedindo intervenção militar, já.

Está mais do que claro que Bolsonaro está forçando a barra por uma preventiva a céu aberto, cercado de apoiadores que se rasgariam por ele. Daí dizer no vídeo gravado no dia 12 deste mês: preciso dessa foto de vocês.

Ao convocar o ato, em tudo por tudo, Bolsonaro tem a pretensão de se comparar (atenção, mídia tradicional! Isto, sim, é uma comparação!), à situação vivida pelo presidente Lula da Silva, em 2018, quando saiu do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, nos braços do povo e dos ex-companheiros de uma vida, para a prisão, numa sala da Polícia Federal em Curitiba.

Ele quer reproduzir o flagrante feito pelo fotógrafo Francisco Proner, em que Lula é um ponto num mar de rostos e mãos. Daí porque insiste na foto “de vocês”. Caberá ao ministro Alexandre de Moraes entender – e a esta altura ele já tem os antídotos -, e manter a frieza já demonstrada, por exemplo, no segundo turno da eleição de 2022, quando mandou seguir o pleito dentro da normalidade, escapando de optar pela “anulação”, planejada e esperada pelos golpistas.

Bolsonaro sabe que não escapará das garras da Lei. A angústia da espera, o não saber quando, onde e a que horas, o atormenta, e talvez ele esteja – ainda que inconscientemente -, querendo abreviar esse momento. E, claro, sonha em não sair pura e simplesmente do portão de casa para o carro com logotipo da PF. Quer “a foto de vocês”. Quer ser guindado na multidão que, espera, se revolte, tornando a situação fora de controle.

Para isto, já contou com a mãozinha do secretário de Segurança Pública, Capitão Guilherme Muraro Derrite. Na troca de 34 comandos da Polícia Militar, por gente sua, talvez resida uma vista grossa aos desvios de conduta que venham a ocorrer.

O ex-presidente vive vários assombros. O de não saber qual a extensão e o teor das provas contra ele é apenas um, no mar de ameaças que o rondam. Ao se dispor a ir depor na PF nessa quinta-feira (22) esperou saber, a partir das perguntas que lhe fossem feitas, o que, afinal, contém na delação premiada de Mauro Cid – na verdade, nos e-mails e no celular do ex-ajudante de ordem. Frustrou-se. Em 15 minutos foi educadamente despachado, sem mais detalhes. Bem que os seus advogados tentaram obter, antes, o conjunto de provas amealhado pelos investigadores. Em vão. Um não bem embasado juridicamente, os impediu.

O lado ressentido, que o transforma em uma espingarda de ar comprimido, nos leva a pensar que Bolsonaro optou por afrontar a Lei, demonstrando a Alexandre de Moraes e às instituições, que tem o povo do seu lado (20%, vá lá, e que podem fazer volume). Não avalia, no entanto, que isso não o tornará novamente “elegível”. E por maior que seja a aglomeração, ela não suplantará a força do Código Penal ou da Constituição Brasileira.

Caberá ao ministro manter o sangue frio e, mesmo supondo que o ex-presidente compareça à manifestação (precisamos contar com a sua ausência, seu lado covarde e fanfarrão), e provoque um enquadramento no artigo 312 do PC, que versa sobre prisão preventiva, Alexandre de Moraes não precisa ter pressa. Poderá fazê-lo apenas no dia seguinte. Ainda assim, o prenderá em flagrante. Há no Direito um artifício que faculta esse tipo de detenção até 24h depois do fato ocorrido. Nesse caso, frustrará a megalomania do ex-presidente, evitará a baderna e nós veremos a Lei ser cumprida na sua plenitude.

É possível que até domingo ele resolva apenas colocar Malafaia, Tarcísio de Freitas e Michelle na linha de frente da manifestação, e grave um vídeo para ser projetado no telão, enquanto no conforto do Palácio dos Bandeirantes, assiste os gritos de “mito” ecoar pela Av. Paulista. Mas, em se tratando de alguém que usou a sala do Palácio do Planalto – em situação de escandaloso peculato, sem que até agora nenhuma autoridade visse nisso razão para abrir mais um processo contra ele -, no maior despudor, pode-se esperar que seu plano seja mesmo a almejada prisão no meio da multidão. Bolsonaro parece dizer, como o personagem de Di Caprio: “prenda-me se for capaz”.

* Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de “Propaganda e cinema a serviço do golpe – 1962/1964” , “Imaculada” e “Claudio Guerra: Matar e Queimar”

Foto reproduzida da Internet

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