Artigo

Sorria, meu bem: você está indo ao matadouro

por Paulo José Cunha, no Congresso em Foco

Em “A Marcha da Insensatez”, publicado em 1984, Bárbara Tuchman aborda com brilhantismo um paradoxo inexplicável de governos e instituições ao longo da história. Em diferentes momentos e circunstâncias, quando a possibilidade do erro se tornava certeza absoluta e tudo recomendava mudança drástica de rumo, governos e instituições se lançaram surpreendente e alegremente… no abismo! Foi assim em 930 A.C, quando as dez tribos de Israel se dispersaram – sabendo que a dispersão selaria seu fim. Foi assim na Renascença, quando os papas praticaram toda sorte de venalidades e imoralidades, conscientes que assim favoreciam a divisão da igreja, abrindo o flanco à reforma protestante – e mesmo assim foram em frente. Foi assim com os 30 anos de envolvimento dos Estados Unidos no conflito com o Vietnã, mesmo sabendo que não teriam chance alguma, e por isso saíram de lá com o rabo entre as pernas.

Em nenhum desses e de outros casos, quem disse que alguém teve a humildade de reconhecer o erro e engrenar marcha-a-ré enquanto era tempo? A insensatez venceu, porque a insensatez, curiosa e preocupantemente, sempre vence.

Alegres e felizes, rumo ao brejo

Aqui nas praias desta saltitante Pindorama o quadro é o mesmo.  Bovinamente vamos nos dirigindo ao matadouro. Ninguém tem a coragem, o equilíbrio, a ponderação, a sensatez de estender a mão pro lado e dizer – gente, vamos fazer alguma coisa “juntos”, porque, separados, só temos uma garantia: a de que esse país vai dar com os burros n’água. Mas não. Preferimos fazer gracinhas sobre Bolsonaro, enquanto o líder da extrema-direita cresce nas pesquisas e avança nos segmentos mais sensíveis – os jovens – pavimentando a marcha batida rumo ao segundo turno da eleição. Sou um simples escriba pregando no deserto. Mas afirmo que, se não for contido e chegar ao segundo turno irá contar com a aglutinação de forças de direita e centro direita. E vencerá a eleição. Alheias a esse quadro preocupante mas altamente factível, forças políticas de centro, de centro-esquerda, de esquerda e de extrema-esquerda se divertem fazendo alianças táticas para… salvar a pele! Até porque, como se sabe, o país que se dane, desde que a gente se dê bem, não é mesmo? Ali na terra de Tio Sam, ainda outro dia, o mundo dormiu com Hillary e acordou com Trump. Ninguém acreditava, ninguém se articulava, ninguém movia uma palha para impedir o desastre. Ninguém acreditava no óbvio, até porque o óbvio sempre parece incapaz de acontecer. Deu no que deu. E olha o tamanho do abacaxi em que o planeta foi encalacrado.

Não dá pra ajudar o país, preciso viajar

Pelas bandas de cá, um país dividido se compraz em assistir duelos verbais na principal corte de justiça, que irresponsavelmente adia julgamentos decisivos para os destinos do país apenas porque alguém mostra uma passagem e alega que precisa viajar, e alguém ao lado faz um ar de enfado, diz que está cansado por ter trabalhado o absurdo de quatro horas seguidas… A mesma corte deixa caducarem processos contra figurões de alto coturno, permitindo que derretam por decurso de prazo ou porque os figurões atingiram idade a partir da qual têm garantida a impunidade. Ou “inventa” uma figura jurídica ridícula, mas capaz de sustar a prisão de um condenado em duas instâncias, mesmo tendo deliberado que não ia deliberar sobre nada. Ao mesmo tempo, a mesma corte manda pra casa um bandido com uma folha corrida capaz de pavimentar a Belém-Brasília de ida e volta. E permite que um político com direitos políticos suspensos até a década que vem possa concorrer às… próximas eleições! Tudo assim, gente, sem rubor nem trauma. Como se tudo fosse normal, corriqueiro. E tais fatos fossem daqueles que não dão nem nota de rodapé nas colunas jurídicas ou políticas.

Vamos ao baile, amor?

Y así pásan los dias. E assim o país vai se afundando numa polarização imbecil que pode nos levar ao fundo do abismo.

Alguém aí tem um exemplar da “Marcha da Insensatez”? Pode ser até velho, desses comprados em sebos, com anotações nas beiradas das páginas puídas pelo uso. Pois se tiver, por favor ponha num envelope e envie a um desses gabinetes dos figurões de alto coturno, e torça pra alguém ler. Se possível, junte ao presente um calendário, pedindo que se lembrem de observar que o tempo tem o péssimo hábito de passar. E que, se nada for feito, a vaca vai ao brejo, a carroça vai dar com os burros n’água e um certo país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza,   afundará no atoleiro de sua própria incompetência. Aliás, nada disso, esqueçam o que escrevi: tal como fizeram os cortesãos no baile da Ilha Fiscal, enquanto a monarquia desabava, vamos é tomar todas e dançar um tango argentino, como recomendava Bandeira naquele poema do pneumotórax. E depois a gente chora o leite derramado.

Sorria, meu bem, sorria: você está indo ao matadouro.

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