Entrevista

Entrevistas que marcaram os 13 anos do Blog: `Os que hoje dirigem o país estavam ontem tomando café na cozinha dos governantes apeados do poder´, diz juiz Marlon Reis

blog publica sua segunda entrevista com o juiz Marlon Reis, autor do livro “Nobre Deputado”, a quem tive oportunidade de conhecer pessoalmente numa palestra que fez na Reitoria da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) em setembro de 2015. De lá pra cá mantemos contatos através do twitter. Nesta entrevista Reis afirma que o atual sistema político-eleitoral levou o Brasil ao colapso e seus principais beneficiários ao banco dos réus: as eleições baseadas na compra do mandato, e afirma: “Os que hoje dirigem o País estavam ontem tomando café na cozinha dos governantes apeados do poder”. Leia a entrevista na íntegra:

1 – blogdobarbosa – Dr Marlon Reis. Em 2014 o então  presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, disse que a Câmara iria enviar ao Conselho Nacional de Justiça uma representação contra o Sr, autor do livro “Nobre Deputado”, que baseou uma reportagem do Fantástico. A sua obra é fundamentada em relatos de assessores e de um ex-deputado e denuncia práticas no meio político a partir de uma personagem fictícia. A reportagem afirmou que parlamentares desviavam dinheiro das emendas parlamentares para custear suas campanhas políticas. Passados dois anos, o mesmo Henrique Alves deixou o Ministério do Turismo alegando não querer criar constrangimentos ou qualquer dificuldade para o governo. Alves foi apontado pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, em delação premiada, como sendo um dos políticos do PMDB beneficiado com propinas no esquema do petrolão. O que o Sr tem a dizer sobre isso?

Marlon Reis – Minha atividade não é baseada na defesa ou no ataque a pessoas. Nunca foi. Minha preocupação é de natureza institucional. Não houve uma falha de Henrique Eduardo Alves, mas de todo um sistema baseado na disputa política fundada no dinheiro. A prova disso foi o apoio que a ideia de me perseguirem alcançou no Plenário da Câmara. O orador mais exaltado era Eduardo Cunha, afastado da Presidência da Câmara por envolvimento com corrupção. A seu lado estava André Vargas, agora cumprindo pena no Paraná. Grande parte dos deputados que pediram a palavra naquele dia agora figuram em listas de réus ou de condenados. De quem foi a responsabilidade por aquilo? De um sistema que levou o Brasil ao colapso e seus principais beneficiários ao banco dos réus: as eleições baseadas na compra do mandato. Afirmo no livro que os agentes políticos locais precisam ser pagos para mobilizar o eleitorado, que as doações empresariais haviam sido convertidas em uma grande lavanderia de dinheiro, que existem parlamentares que destinam emendas em troca da devolução de um percentual. Não havia em nada disso nenhuma novidade. O único fato novo foi aparecer alguém que tivesse a coragem de dizer que isso não poderia continuar assim. Dois meses depois irromperia a operação Lava Jato, confirmando tudo o que eu disse. A representação que Henrique Alves apresentou contra mim foi arquivada por unanimidade. Mas eu preferiria mil vezes ser punido. Gostaria muito de ter sido injusto com minha publicação. Infelizmente eu estava certo. O Brasil está pagando as consequências de haver deixado as eleições chegarem ao ponto que chegaram. Nunca cansarei de denunciar isso enquanto nosso sistema político for a plutocracia. Plutocracia com dinheiro público, faço questão de frisar. Sempre frequentei a Câmara. Ajudei a redigir diversos projetos de lei. Tenho amigos em praticamente todos os partidos. Fui convidado uma dezena de vezes para falar em audiências públicas na Câmara. Recebi a medalha Dom Helder Câmara do Senado Federal. Acho que não era bem eu o inimigo do Parlamento. Fui tratado com um desrespeito imenso por pessoas que estavam enxovalhando – elas sim – o Congresso Nacional. A História é inexorável. Vou lhe dizer o que deveriam ter feito quando disse todas aquelas verdades no Fantástico do dia 8 de junho de 2014. Deveriam ter iniciado uma Reforma Política séria, cuja maior premissa deveria ser a redução dos custos da campanha e o aumento da transparência no processo eleitoral. Em lugar disso, trataram de elevar o tom de voz como fazem os que não têm argumento. Talvez houvessem livrado o País e a si mesmos de tanta infâmia se tivessem me dado ouvidos.

2 – blogdobarbosa – O Sr. é um dos idealizadores do projeto Ficha Limpa. Como magistrado e cidadão como está vendo os escândalos envolvendo figuras carimbadas da política brasileira?

Marlon Reis – A Lei da Ficha Limpa é uma bênção para o País. Quando vemos quem ela atingiu confirmamos o acerto da sociedade ao apoiá-la. Mas ainda falta muito. O sistema eleitoral facilita a vida dos ímprobos. Difícil concorrer com quem desvia bilhões do orçamento. Que legitimidade tem um político que se elege pagando líderes políticos locais para apoiá-lo? Essa é a realidade das eleições brasileiras. O Brasil é a única grande democracia no mundo que convive normalmente com réus e condenados por corrupção dirigindo a política. Nos Estados Unidos, um político condenado se torna uma espécie de praga. Nenhum partido o aceita. Aqui a maioria dos partidos filia pessoas em virtude da quantidade de dinheiro e votos que possa mobilizar, sem dar a menor importância para sua índole, para o seu caráter. Isso é agravado pela permanência do foro privilegiado. Os tribunais não são culpados por tanta lentidão no julgamento dos poderosos. Eles simplesmente não foram pensados para isso. São os juízes primeiro os que devem dirigir os processos judiciais. Estão treinados e aparelhados para essa tarefa. Sua resposta é muito mais pronta e eficaz.

3- blogdobarbosa – Na visão do Sr o impeachment da presidenta Dilma pode ser considerado um golpe?

Marlon Reis – Não sei se o termo é adequado, pois mais parece um rótulo. Rotular normalmente se presta a reduzir o nível da discussão. Digo que o impeachment teve sua legitimidade maculada pela inidoneidade de quem o idealizou e dirigiu. Se o problema era a maneira como o Brasil vinha sendo conduzido, qual o sentido em uma “solução” que transfere o poder para outros componentes do mesmo governo? O governo não foi derrubado pela oposição, mas por si mesmo. Os que hoje dirigem o País estavam ontem tomando café na cozinha dos governantes apeados do poder. Tinham a chave da casa e livre acesso à geladeira. Mas isso não implica em uma defesa do PT. A meu ver, a solução mais legítima era cassação da chapa presidencial – presidente e vice – com a convocação de novas eleições. O Tribunal Superior Eleitoral pode fazer isso. Basta julgar as diversas ações em andamento contra a dupla que governava o Brasil. Aí o próprio povo poderia escolher uma liderança para conduzir o País para longe dessa crise. A baixíssima popularidade do governo atual é algo assustador.

4 – blogdobarbosa – O ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado disse na delação premiada que políticos de vários partidos chegaram a discutir um pacto para conter a Lava Jato e que a manobra incluía a convocação de uma Constituinte para reduzir os poderes do Ministério Público. Como o Sr avalia isso?

Marlon Reis – O Ministério Público exerce uma atividade essencial para o Brasil. Não deve ser rebaixado, mas fortalecido e apoiado. Entretanto, temos uma maioria congressual composta por pessoas eleitas a partir dos esquemas que denunciei no livro O Nobre Deputado. Fica fácil entender como eles se acham capazes e autorizados a tramar abertamente em favor da própria impunidade. Felizmente, cresce rapidamente o número das pessoas que percebem isso.

5 – blogdobarbosa – Diante dos escândalos semana sim outra sim envolvendo ministros do governo interino de Michel Temer, o Sr acredita na possibilidade da presidenta Dilma reverter a situação no Senado e retornar ao cargo?

Marlon Reis – O impeachment é um dado da natureza. Impossível desfazer a máquina que já se apoderou dos ministérios e do orçamento. Só um escândalo de proporções colossais reverteria esse quadro.

6 – blogdobarbosa – Como o Sr avalia a apatia de parte da sociedade que pediu o impeachment da presidenta Dilma, com panelaços inclusive, e agora com as denúncias de que ministros do governo Temer estariam envolvidos no esquema do petrolão, sequer, protesta?

Marlon Reis – A mídia foi acusada de divulgar apenas os desvios do governo deposto, mas continua fazendo o mesmo em relação ao atual. Isso é inegável. A sociedade não está conformada com esse governo, como não estava feliz com o anterior. Só quem matou de se manifestar foram os grupos pagos que agiam ideologicamente para derrubar o governo anterior e que – não se incomodando com corrupção alguma – ainda tiravam fotos sorrindo ao lado de pessoas escancaradamente corruptas. Mas esses não falam pela sociedade. A maioria da população brasileira está muito descontente com os acontecimentos atuais, tanto quanto com os anteriores. Este governo está perdendo ministros à taxa de um por semana. Isso se explica por uma composição ministerial que não levou em conta os interesses do País, mas o pagamento de dívidas assumidas na formação da maioria em favor do impeachment.

7 – blogdobarbosa – Qual a opinião do Sr sobre um plebiscito para saber se a sociedade quer ou não novas eleições presidenciais?

Marlon Reis – Novas eleições presidenciais são uma medida para ontem. Podem ser convocadas, sim, mediante plebiscito, ainda que este deva ser convocado mediante emenda constitucional. Mas há um caminho mais rápido e igualmente legítimo: a cassação da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral. Fundamentos para isso há de sobra. O que se questiona ali é justamente o uso de verbas desviadas da Petrobrás na campanha presidencial, o que já está provado que ocorreu.

8 – blogdobarbosa – O Sr se filiou a Rede de Marina Silva. O Sr tem pretensões políticas?

Marlon Reis –  Minha filiação à Rede é um testemunho do quanto acredito na política como uma atividade humana elevada e fundamental. Penso que todos deveríamos participar da vida do partido de nossa predileção. Eu, particularmente, não nutro preconceito contra nenhum. Não tenho planos eleitorais no momento, embora – ao deixar a magistratura – tenha readquirido o direito de postular mandato eletivo. O momento, entretanto, é de mudar de atividade profissional. Esse é meu foco. Estou às voltas com meus primeiros momentos no retorno à advocacia. Meu maior desafio atual é lutar pelos interesses dos meus clientes.

Foto reproduzida da internet

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