Artigo

Por que Bolsonaro não se esborracha

por Marcos Coimbra, no Brasil 247

Quem não tem cão, caça com gato e, na falta de pesquisas boas, temos que nos virar com as que andam por aí. Como a recente pesquisa telefônica do Datafolha, que está sendo divulgada desde a semana passada.  

Antes de tratar do resultado mais relevante, uma nota de cautela: em um país como o Brasil, pesquisas telefônicas não são recomendáveis. Se quisermos saber o que pensa o conjunto da população, não é correto usar uma técnica que exclui as opiniões e sentimentos da ampla parcela que não tem acesso à telefonia ou que até pode tê-lo, mas, por desinteresse, desconfiança ou acanhamento, só dá entrevistas a respeito de temas políticos sob estímulo. Sem a presença física de um entrevistador ou entrevistadora que as encoraje a se manifestar, essas pessoas, normalmente de escolaridade, informação e renda mais baixas, não falam. Muitas, no entanto, votam, pois é assim que funciona nosso sistema eleitoral. É por isso que aprendemos a só confiar nas pesquisas em que entrevistados e entrevistadores interagem face-à-face.   

A enquete telefônica do Datafolha mostra algo que desafia o bom senso. No auge da pior crise sanitária de nossa história moderna, em meio às mais evidentes demonstrações de inépcia e incúria do capitão Bolsonaro e seu governo de idiotas, quase um terço dos entrevistados aprova o conjunto de sua “obra”. Metade responde que é contra o impeachment. 

É impossível não comparar a situação de hoje com as de Collor e Dilma. Se, em nossa cultura política, é tranquilo remover presidentes inadequados através de processos de impeachment, como aconteceu com os dois em curto espaço de tempo, por que tolerar um estafermo como o capitão?     

Collor, dizia seu irmão, era desonesto, o que foi corroborado por cheques inexplicáveis e depoimentos à vontade. E Bolsonaro, com vinte anos de suspeitas nas costas, dezenas de funcionários fantasmas recebendo e transferindo dinheiro público para as contas da família? Será que o problema é que Collor roubou “muito” e a turma do capitão “só um pouquinho”? Quanto um governante precisa surrupiar para se tornar desonesto?    

Dilma teria sido tirada por promessas de campanha não cumpridas e fazer um mau governo na economia. E Bolsonaro, que jogou no lixo o que disse ao longo de 2018 a respeito de moralidade, segurança pública e renovação politica? Que tem uma equipe econômica de cascateiros e incompetentes? Que está à frente do governo mais lastimável da história do Brasil, inoperante em tudo, sem nada a mostrar na saúde, educação, meio ambiente, ciência, tecnologia, habitação popular? Cuja única realização é nos tornar párias internacionais? 

Nos dias que correm, quando a mistura de burrice e desumanidade da turma do capitão se traduz nos piores resultados do mundo no enfrentamento da pandemia, passamos de um péssimo presidente a algo mais grave. Percebemos que temos à frente do governo um genocida, um psicopata ou a uma mistura das duas coisas.

Mas um terço das pessoas diz que o capitão faz um trabalho “bom” ou “ótimo” e metade avalia que deve permanecer no cargo, pelo menos entre aquelas para as quais o Datafolha telefonou. Por quê?

Os casos de Collor, Dilma e do capitão mostram que não há, no Brasil, um “ponto natural”, um nível de desgaste ou decepção que, uma vez alcançado, torna irreversível a derrocada de um presidente. A “inevitabilidade” de uma deposição é fabricada, o que significa dizer que depende do que querem e do modo como se articulam as forças politicas hegemônicas. 

Uma presidente virtuosa pode tornar-se “insustentável”, enquanto pode “não estar maduro” o impeachment de um picareta responsável por centenas de milhares de óbitos e milhões de pessoas com sequelas para o resto da vida. A crise da imagem de Dilma foi consequência de uma estratégia deliberada de enfraquecimento e não de seus “erros”, que certamente cometeu, como qualquer presidente, sem que nenhum tenha sido deposto por isso. Inversamente, o capitão não cai apesar de suas desonestidades e erros grotescos, porque continua a ser útil ao conjunto de forças que o colocou no poder.

Há quem procure explicar a permanência de Bolsonaro como se decorresse da falta de iniciativa da esquerda, o que não é verdade, pois ela, Lula e o PT sempre lutaram pelo abreviamento do pesadelo. Culpados são os que fingem aguardar que a opinião pública exija algo que procuram evitar, os que só “formam opiniões” quando é de seu interesse.

Se quisessem, nossas elites destruiriam a imagem do capitão em dois ou três meses, como fizeram com Dilma no passado recente. Seus 30% virariam fumaça. Só que não querem, pois ainda têm muito a embolsar com a atual politica econômica e se pelam de medo de enfrentar o PT em 2022 com seus candidatozinhos de proveta, sem Bolsonaro e sua falta de escrúpulos.   

*Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi  

Foto reproduzida da Internet

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