Artigo

Rombo de R$ 55 bi mostra atualidade de Democracia em Vertigem

por Paulo Moreira Leite, no Jornalistas pela Democracia

O rombo de 55 bilhões  nas contas de  2019 confirma o caráter insustentável de uma política econômica   baseada no corte de investimentos e arrocho no emprego e nos salários.  O saldo é um país parado, que produz pouco e consome menos ainda. Resultado: déficit. Em 2019, primeiro ano de Bolsonaro, o país teve  a pior balança comercial em cinco anos. 

Nestes dias em que, na reta final do Oscar,  o filme Democracia em Vertigem disputa o premio de Melhor Documentário com uma contundente narrativa sobre o  golpe de 2016, o buraco de 55 bilhões ajuda a  reavivar a memória dos brasileiros. 

O rombo ressalta a  perversidade de um golpe organizado a partir do pretexto de que Dilma  havia cometido um crime de responsabilidade para esconder um estouro no orçamento. Falso. 

Do ponto de vista técnico, essa denuncia nunca parou de pé. É o que fica claro, por exemplo, numa extensa nota técnica (número 109/2016), do Senado Federal, chamado a formular um parecer sobre a denúncia contra Dilma, que tinha como base o artigo 85 da Constituição, que descreve os crimes de responsabilidade. 

“Estando os procedimentos analisados de acordo com as leis orçamentárias, não foi constatada qualquer afronta (…) que habilitaria fazer uso do disposto no artigo 85 para abrir o procedimento de impeachment ou dar-lhe seguimento”, diz o documento, em suas conclusões, que afastam qualquer justificativa jurídica para o afastamento de Dilma. “Não foi constata qualquer afronta”, é bom repetir.    

Do ponto de vista da origem, não custa recordar o caráter promíscuo do ambiente que produziu a denuncia. Já na fase final do processo, durante os depoimentos no Senado, foi revelado que o auditor do Tribunal de Contas da União, Antonio Carlos D’Ávila, teoricamente encarregado de fazer um exame final — imparcial e isento — das acusações, participou ativamente da elaboração da própria peça inicial apresentada pelo Ministério Publico. 

Em condições normais, era óbvio que uma denuncia elaborada em tais circunstâncias  nem deveria ter sido considerada. Nada ocorreu — além de  um fugaz constrangimento. 

No capítulo da comédia, nada foi tão grotesco como o muro de proteção erguido em torno do vice-presidente, Michel Temer. A dificuldade aqui era de lógica. 

Se ocorreram operações criminosas, chamadas imprecisamente de “pedaladas,” expressão que ninguém sabe direito o que quer dizer, pelo menos o vice-presidente  deveria ser considerado  tão culpado quanto a titular. Caso  só ele fosse inocentado, um inaceitável espírito de perseguição estaria escancarado.  

Durante as viagens de Dilma ao exterior,  Temer colocou seu autógrafo em quatro decretos que totalizaram gastos de R$ 10,7 bilhões. Nada lhe aconteceu, e o vice pode completar o mandato e entregar a faixa presidencial a Bolsonaro em 1 de janeiro de 2019. 

“Ao assinar atos governamentais cujos prazos expiram em sua interinidade, o vice-presidente não formula a política econômica ou fiscal”, tentou justificar-se Temer, na época. Ele sequer foi chamado a explicar-se, embora houvesse uma determinação nesse sentido do ministro Marco Aurélio Mello, no STF. 

Um dos operadores do golpe, titular de um governo que instalou o neoliberalismo como política-economica oficial desde então, é claro que Temer não poderia responder pelas mesmas denúncias que atingiram Dilma — ela e o projeto que representava constituíam o  alvo final da operação de desmonte da democracia. 

Alguma dúvida? 

* Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA

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